PARA APROFUNDAR NOSSO CONHECIMENTO SOBRE A LECTIO DIVINA
LECTIO
DIVINA – MÉTODO DE LEITURA ORANTE DA BIBLIA
Trata-se, fundamentalmente, duma
leitura crente e orante da Bíblia que encontra as suas raízes no Novo
Testamento. Lucas apresenta-nos Jesus a convidar os discípulos de Emaús a reler
o Antigo Testamento a partir do acontecimento da Páscoa (Lc 24,13-35). E
podemos dizer que os Evangelhos seguem, em grande parte, esta dinâmica. A
Lectio Divina pode assumir diferentes formulações e práticas. Vamos aqui
apresentar o que este método de leitura bíblica tem de essencial.
1.
Lectio (leitura): Apropriar, situar, respeitar o texto.
Trata-se duma “leitura” em
sentido etimológico, isto é, duma “recolha” (de lego), muito mais rica do que
um simples “ler”. Porque se trata dum “ler” com a finalidade de “recolher”, não
tanto conhecimentos de tipo intelectual quanto o sentido profundo da Palavra:
mensagem, sugestões, inspirações.
Esta primeira etapa não é
fácil, como poderia parecer à primeira vista. Trata-se duma espécie de visita
que fazemos a um amigo: há gestos,AMIZADE,
respeito, silêncios, atenção a um determinado cerimonial. Como se trata dum
amigo, a leitura é desinteressada, perseverante, quotidiana.
A
lectio tem três diferentes níveis:
A)
Nível literário: fixar o texto e responder a questões muito simples, como
estas: Quem? Onde? Como? Por quê? Que ligação entre texto e contexto?
B)
Nível histórico: Procurar o contexto histórico em que o texto foi escrito e
analisá-lo sob quatro aspectos: econômico, social, político, ideológico.
Descobrir os problemas aos quais o texto pretende dar resposta e que, de algum
modo, aparecem ao fundo ou à superfície do texto.
C)
Nível teológico: descobrir a mensagem para o homem, nesta situação histórica
concreta: como é que o texto a manifesta, modo como as pessoas desse tempo
representavam a Deus, como é que Ele Se lhes revelava, como é que o povo vivia
esta mensagem.
2.
Meditatio (meditação): Ruminar, dialogar, atualizar
Se a
Lectio respondia à pergunta: “Que diz o texto?”, a Meditatio pretende responder
à pergunta: “Que diz o texto, para mim?” Segundo Guilgo II[1], “a
meditação é uma ação da mente que procura com ardor, sob a guia da razão, o
conhecimento da verdade escondida”.
Como se faz, concretamente, a
Meditatio? Guigo II dizia que é necessário utilizar a razão e o sentido comum
para encontrar a verdade escondida no texto. Para isso, é necessário dialogar
com o texto, colocando-lhe certas questões, que o levam a entrar no nível da
nossa vida:
- Que semelhanças e diferenças
existem entre as circunstâncias do texto e as de hoje?
- Conflitos de ontem e de hoje?
Que diz o texto à situação de hoje?
- Que mudança de comportamento
me inspira no aqui e agora da minha vida pessoal e social?
Um outro modo de atuar o método
poderá ser o de ruminar, mastigar o texto, como fez Maria para os
acontecimentos que ocorriam à sua volta, até encontrar o que ele me quer dizer
(ver Lc 2,19.51; Sl 1,2; Is 26,8). Podemos tentar resumir o texto numa só frase
do mesmo, que sirva para repetir, guardar para todo o dia, de modo a servir não
só de lema, mas que chegue a fazer parte da vida desse dia. A Meditação bem
feita leva-nos à Oração, como a semente leva à planta.
3.
Oratio (oração): Suplicar, louvar, orar
Na Lectio, a pergunta era: Que
diz o texto? Na Meditatio, perguntávamos: Que me diz o texto? Agora, a pergunta
fundamental é: Que o texto me faz dizer a Deus? Até agora, era o Senhor a falar
conosco, a apresentar-nos a Sua proposta; agora, é o momento da nossa resposta à
proposta de Deus. Esta é a característica fundamental da oração cristã. E esta
minha resposta exprime-se em sentimentos de louvor, súplica, ação de graças,
pedido de perdão… Guigo dizia: “A oração é o impulso fervente do coração a
Deus, pedindo-lhe que Ele evite os males e nos conceda coisas boas”.
A atitude fundamental da Oração
deverá ser, mais uma vez, a de Maria: Faça-se em Mim segundo a Tua Palavra (Lc
1,38). Maria não diz uma palavra da Bíblia, mas uma palavra saída dum coração
que, antes, meditou uma Palavra, que lhe purificou o olhar e o coração (Lc
2,19.51). Só um coração purificado pela Meditação da Palavra é capaz de
acolhê-la e deixar que ela se torne carne nele - o que aconteceu n’Ela de
maneira excelsa e total. Só os que a sentem encarnada na vida são capazes de a
rezar, cantando, como fez Maria, no Magnificat (Lc 1,46-55). A Oração tem
sempre duas direções: a vertical e a horizontal. É libertadora do orante - em
direção a Deus; e é libertadora dos irmãos - em direção aos oprimidos de hoje.
4.
Contemplatio (contemplação): Discernir, agir, saborear
Quando se passa de Oratio à
Contemplatio? Alguém disse que a Contemplatio é o que fica nos olhos e no
coração, quando acabou a Oratio. É como o fruto da árvore. A Contemplatio é,
fundamentalmente, a concentração da minha atenção, não em sentimentos ou em
orações, mas na Pessoa de Jesus e na Sua relação com o nosso mundo. Esta, sendo
o ponto de chegada de todas as etapas da Lectio Divina, exige um novo começo de
todo o processo, isto é, torna-se o ponto de partida para nova Lectio,
Meditatio, Oratio. O processo recomeça, sem nunca acabar. Porque há sempre
lugar para uma leitura, meditação e oração mais profundas. É aqui que se situa
a Contemplatio: um saborear, degustar, um novo modo de ver a vida e o mundo,
que são vistos a partir de cima, a partir dos critérios de Deus. Este novo
olhar de Deus no orante é a Contemplatio.
A
contemplação é “A escada dos monges que penetra as nuvens e procura os segredos
do céu”, isto é, antecipa o futuro, dá-nos a visão das coisas a partir de Deus.
E acrescenta, a título de resumo das diferentes etapas: “A Leitura procura a
doçura bem-aventurada; a Meditação encontra-a; a Oração pede-a e a Contemplação
saboreia-a. A Leitura conduz o alimento à boca; a Meditação mastiga-o e
digere-o; a Oração verifica o seu gosto e a Contemplação é a doçura que dá a
alegria. A Leitura toca a casca, a Meditação penetra no interior, a Oração
formula o desejo e a Contemplação atinge o gosto e a doçura; a Contemplação é
uma elevação do espírito acima de mim próprio; suspensa em Deus, ela saboreia
as alegrias da doçura eterna
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