Sete chaves para uma encíclica urgente
Sete chaves para uma encíclica urgente
Dia 18 de junho, foi publicada a esperada encíclica do
Papa Francisco sobre a ecologia. O título, Laudato Si’,
é tomado do Cântico das Criaturas de São Francisco de
Assis, e tem como
subtítulo “O cuidado da casa comum”. São quase 200 páginas na tradução
castelhana, agrupadas em 246 números e acompanhada de 172 notas de rodapé. É,
portanto, impossível oferecer aqui um resume e uma avaliação detalhada da
encíclica. São seis capítulos, que seguem o esquema já clássico do Ver
(capítulo 1), Julgar (capítulos 2 a 4) e Agir (capítulos 5 e 6). Neste
comentário nos limitamos a indicar e comentar sete chaves de leitura para uma
encíclica e uma temática urgentes.
A reportagem é de Daniel Izuzquiza, SJ e publicada por EntreParentesis, 18-06-2015. A tradução é de André Langer.
[1] A chave científica. Antes de ser publicada, a encíclica e o próprio Papa foram duramente criticados por setores conservadores,
sobretudo norte-americanos, querendo aplicar a ela o dito popular ‘sapateiro,
aos teus sapatos’. Sem ler o texto, já estavam dizendo que havia erros
científicos, que o Papa não sabe de
questões científicas e não deve se meter em questões polêmicas. Pois bem,
qualquer Papa em qualquer
encíclica consulta diversos especialistas, como aconteceu também neste caso. A
análise de situação que o texto recolhe baseia-se, de maneira clara, nos
consensos científicos do momento.
[2] A chave
ético-filosófica. Embora no
campo científico a exposição seja comedida, a encíclica contém uma crítica dura
e contundente ao “paradigma tecnocrático
dominante” (n. 101). Não porque a ciência e a tecnologia sejam
más, mas porque “a humanidade de fato assumiu a tecnologia e seu
desenvolvimento junto com um paradigma homogêneo e unidimensional” (n. 106). É
que, além disso, “o paradigma tecnocrático também tende a exercer seu domínio
sobre a economia e a política” (n. 109). Por isso, estamos “diante da urgência
de avançar numa corajosa revolução cultural” (n. 114) que permita superar a
“grande desmedida antropocêntrica” (n. 116), sem cair no biocentrismo nem
“colocar em um segundo plano o valor das relações entre as pessoas” (n. 119).
[3] A chave política também é importante para ler a encíclica, que quis
ser apresentada com suficiente tempo antes da Cúpula do Desenvolvimento
Sustentável, em setembro de
2015, e a Cúpula sobre a Mudança Climática, em dezembro deste mesmo ano. A avaliação global é
clara e negativa: “as cúpulas mundiais sobre o meio ambiente dos últimos anos
não corresponderam às expectativas, porque não alcançaram, por falta de decisão
política, acordos ambientais globais realmente significativos e eficazes” (n. 166).
[4] A chave social. O Papa Francisco está convencido de que se “deve integrar a justiça
nos debates sobre o meio ambiente, para ouvir tanto o clamor da terra como
o clamor dos pobres” (n. 49). Como São Francisco de
Assis, sabe “até que
ponto são inseparáveis a preocupação pela natureza, a justiça para com os
pobres, o empenho na sociedade e a paz interior” (n. 10). Por isso, a encíclica
fala de iniquidade mundial ou de dívida ecológica entre o Norte e o Sul, e se
converte “em um chamado à solidariedade e em uma opção preferencial pelos mais
pobres” (n. 158) e denuncia, uma vez mais, a globalização da indiferença.
Talvez seja esta uma das insistências do documento, que não vê a ecologia como
uma moda esnobe de burgueses acomodados, mas de uma questão chave
para as populações empobrecidas de nossa Terra.
[5] A chave cultural. Esta chave desdobra-se em ao menos três assuntos,
que somente podemos esboçar. Primeiro, “não se pode excluir a cultura na hora
de repensar a relação do ser humano com o meio ambiente” (n. 143), vinculando
as ameaças à biodiversidade com os ataques à diversidade cultural, sobretudo
das minorias empobrecidas.
[6] A chave
teológica. Embora a
encíclica esteja dirigida a todas as
pessoas, crentes ou não (e esta é outra novidade), há nela um
desenvolvimento explicitamente teológico. Após o primeiro capítulo dedicado “ao
que está acontecendo em nossa casa”, o Papa dedica o segundo capítulo a
desenvolver o Evangelho da criação: “a criação só se pode conceber como um dom
que vem das mãos abertas do Pai de todos, como uma realidade iluminada pelo
amor que nos chama a uma comunhão universal” (n. 76). A partir daqui se
recupera o sentido da gratuidade e da contemplação, o destino universal dos
bens e a responsabilidade no cuidado da criação, entre outras implicações
básicas. “Tudo está interligado, e isto convida-nos a amadurecer uma
espiritualidade da solidariedade global que brota do mistério da Trindade” (n.
240).
[7] A chave espiritual. Em sintonia com João Paulo II, o Papa Francisco chama para uma verdadeira conversão ecológica, e
acrescenta: “Desejo propor aos cristãos algumas linhas de espiritualidade
ecológica que nascem das convicções da nossa fé, pois aquilo que o Evangelho
nos ensina tem consequências no nosso modo de pensar, sentir e viver” (n. 216).
Continua indicando que “a conversão ecológica, que se requer para criar um
dinamismo de mudança duradoura, é também uma conversão comunitária” (n. 219).
Falará depois de gratuidade e gratidão, de sobriedade,
de humildade, de paz e de outras “sólidas virtudes” (n. 211). É curioso e
significativo que a encíclica termine com duas orações (n. 246), uma para todos
os crentes e outra específica para os cristãos. Está em consonância com os
destinatários da carta, pois já no começo da encíclica o Papa diz: “quero dirigir-me a cada pessoa que habita neste
planeta” (n. 3). Oxalá, cada pessoa possa escutar esta mensagem urgente e
comprometer-se com o cuidado de nossa casa comum.
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